11 de novembro de 2012

Para pesquisador, forró eletrônico renova a tradição



O pesquisador Felipe Trotta analisa as inovações do forró eletrônico e defende a ideia de continuidade

 



                                                                                                                                                             
O uso de células ritmicas (aceleradas) do baião e do xote, a temática de duplo sentido nas letras, a revalorização, recente, da sanfona e a auto identificação com o Nordeste. Estes são alguns dos elementos de continuidade da tradição utilizados pelo chamado forró eletrônico, pontuados pelo pesquisador Felipe Trotta, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Estudando o caso da banda Aviões do Forró, ele analisa os elementos que fizeram do grupo um fenômeno nacional, a exemplo disso, tendo emplacado recentemente a música "Correndo Atrás de Mim", na novela da Rede Globo "Avenida Brasil".

Mastruz com Leite e Aviões do Forró (abaixo): marcos de um novo momento do gênero

"O sucesso do forró eletrônico tem a ver com uma pegada jovem das bandas. A coisa de uma estrutura de palco e de performance de shows que vai buscar inspiração nos grandes shows de música pop. Desde os internacionais, Madonna, Michael Jackson, com dança, luzes performances, até os artistas da música brasileira, que já há muitos anos começaram a utilizar esse tipo de produção", avalia.

Musicalmente, as diferenças em relação ao forró tradicional, resguardados pelos trios pé-de-serra, analisa o pesquisador, são bem definidas: há menos sanfona - apesar de haver um movimento recente de valorização do instrumento - e mais naipes de metais; o ritmo deixa de ser conduzido pela zabumba e o triângulo, em prol do baixo e da bateria. A sonoridade valorizando os graves do baixo, com teclados, sopros, explica, também são elementos herdados dessa música pop que dão esse ar mais atual ao som.

 

Fórmula do sucesso

"Alguns artistas da década de 1980 já usavam isso. O próprio Luiz Gonzaga usou, mas não de forma sistemática como as bandas passaram a usar, principalmente, a partir do final dos anos 1990", pontua Felipe Trotta. Outras marca das novas bandas, bem ilustradas pelo Aviões do Forró, destaca, é o caráter fabricado. Elas são criadas como objetivo bem definido: o sucesso.

Apesar das diferenças, sugere Felipe, à revelia dos que defendem a tese de que esse forró eletrônico não é forro, as bandas preservam alguns elementos tradicionais chaves, modificando-os para uma nova realidade.

"As bandas sempre foram muitos firmes de dizer que o que eles fazem é forró. E eu encontro linhas de continuidade, como na concepção rítmica, muito forte no baião e no xote. Só que a levada está na bateria. O humor e o duplo sentido, que é muito forte no forró tradicional, também permanece", elenca, frisando que letras mais explícitas também estão presentes do forró tradicional. "Se em Luiz Gonzaga isso aparece aqui e ali, mas não é muito frequente, há outros como Trio Nordestino, Marinês, Cremilda e Genival Lacerda que usam da safadeza na construção dos repertórios", destaca.

Outro ponto, ainda mais importante na concepção do autor, é a ideia de nordestinidade da música que estão fazendo defendida pelas bandas. "Elas estão imbuídas da ideia de que o que fazem é a música contemporânea do Nordeste. Falam muito dessa nordestinidade e querem que o forró seja atualizado para incorporar a nova realidade da região", argumenta.

O sertão atrasado, da seca, da fomes, não representa mais a realidade da região, defende Felipe. "Eles querem um Nordeste cosmopolita, urbano, contemporâneo. É uma discussão bastante interessante colocada pelas bandas", avalia.

Estratégias

Além da proposta musical, as bandas de forró seguem já há alguns anos uma tendência mais atual na forma como encaram e utilizam as gravações. "Eu considero os Aviões do Forró um grupo do que seria uma segunda fase do forró eletrônico. No início, bandas como Mastruz com Leite, Limão com Mel, ainda estavam vinculadas, de algum modo, da indústria de lançar discos. A Aviões já vai usar bem a internet, as redes sociais, e a divulgação na forma do disco distribuído gratuitamente", defende Felipe.

A aposta da banda de retorno financeiro, continua, está nos shows. Ele registra ainda, em relação à Aviões do Forró que, recentemente, o grupo vem mudando em parte essa postura, tendo recebido apoio da Som Livre. "Eles entraram em um certo circuito ligado a grande indústria fonográfica", conta Trotta.

Pé de serra tem espaço garantido no mercado

Para o Felipe Trotta, apesar da força midiática e do volume de público que o forró eletrônico mobiliza, ainda há espaço garantido para os artistas que defendem um viés tradicional. "O forró tradicional mantém um mercado vigoroso. Só não tem a visibilidade e a expressividade numérica do eletrônico, que ganhou o mercado pop jovem, que é o principal de todas as musicas no mundo", diz.

Marivalda Kariri firmou-se como cantora de forró na década de 1970, tocando ao lado de Luiz Gonzaga. Com mais de 50 anos de estrada, ela segue fazendo shows

Ele chama atenção para a existência de correntes diferentes identificadas com o forró tradicional. Além dos trios pé de serra pouco conhecidos, explica Felipe, que costumam apresentar-se em festejos juninos e pequenos espaços, há ainda os artistas que flertam com a MPB, que tomam uma dimensão e tem uma proposta instrumental diferente do trio. "Eles praticam forró mais tradicional, mas não é restrito ao trio", reforça. Segundo Felipe, essas diversas correntes tiram proveito de uma configuração do mercado musical de hoje, que comporta diferentes nichos de públicos.

Exemplo

Na estrada desde 1957, a cearense Marivalda Kariri, natural de Milhã (distante 301 quilômetros de Fortaleza), é ainda hoje uma das defensoras do forró pé-de-serra, com repertório que mescla suas composições aos clássicos de Luiz Gonzaga e traz a zabumba, o triângulo e a sanfona como base para xotes, baiões e xaxados.

Uma das poucas vozes femininas a ter destaque neste formato, ela diz não ter do que se queixar quando o assunto é carreira e reconhecimento. "Foi difícil sair do sertão, do lugar que saí, e fazer o que gosto a vida toda. Eu nunca ouvi falar em uma varinha de condão que baixasse naquele lugar, que brilhasse tanto. E estou brilhando até hoje", diz. E apesar de ter os pés cravados na tradição, ela defende o forró eletrônico como um formato que deu certo.

"A gente há de convir que o forró eletrônico envolve muita gente. Emprega bons músicos que não tinham espaço para trabalhar. Isso é muito bom para o Nordeste e para o País", defende a cantora. Marivalda destaca ainda uma demanda que teria sido gerada a partir do sucesso deste tipo de música para que os jovens se interessem em aprender sanfona. "O forró eletrônico mantém a sanfona. Eu vejo muito jovem querendo estudar. Isso, para mim, já é tudo, porque é o instrumento que representa mais o sertão", defende.

Show

Relembrando sucessos de sua carreira como "Toco Cru Pegando Fogo", "Mariquinha" e o "Corno Que Virou Gay", dia 17 de novembro, ela se apresenta no Largo da RFFSA, no Crato, ao lado de nomes como Messias Holanda, Joquinha Gonzaga, Pedro Bandeira e Adelson Viana.

"Meus maiores sucessos foram músicas com letras dúbias. Foi uma forma que encontrei de ganhar dinheiro. Porque o povo gosta de sacanagem", confessa. Marivalda relembra os altos e baixos que enfrentaram os artistas do gênero nos mais de 50 anos em que atua no mercado do forró. "Até final dos anos 1950, o mercado estava ótimo. Nos anos 1960, a coisa ficou preta", lembra.

Na década de 1970, lembra, grandes gravadoras como a CBS gravavam muitos artistas de forró, o que, nem por isso, significava sucesso. "Em 1974 já gravei o primeiro disco de forró. Já entrei na CBS, imagina, a mesma gravadora do Roberto Carlos. O que nós não sabíamos era que, quando chegava o fim do ano, as gravadoras queriam fazer número para conseguir descontos no imposto de renda. Ai faziam pacotes, gravavam com 20, 30 forrozeiros e deixavam o disco de lado, fazendo monte", diz.

As coisas só melhoraram para ela quando decidiu, por intermédio de Luiz Gonzaga, fazer carreira na região Norte. "Luiz Gonzaga era muito inteligente. Ele dizia: ´o bom artista, além de saber cantar, tem que ter simpatia com o público e tem que ser bom vendedor´", lembra. Após uma temporada abrindo shows de Luiz Gonzaga, Marivalda acabou ficando na região.

"Parti para cantar em garimpo, para os ribeirinhos. Viajei muito e fiz meu pé-de-serra na região inteira. Cantei para todas as classes", diz. "Me sinto uma vitoriosa com o forró. Não vou mudar nunca. Não me chame para cantar rock", brinca a veterana. (FM)

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER

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