4 de novembro de 2012

O forró ganha sua primeiro história de fôlego



Coincide com o ano do centenário de Luiz Gonzaga publicação de O fole roncou: uma história do forró, dos jornalistas paraibanos Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (Zahar, 467 páginas). Por incrível que pareça, esta é a primeiro “biografia” do coletivo de ritmos nordestinos que Gonzagão e parceiros sistematizaram em meados dos anos 40. Embora bem escrita, fundamentada, esta história do forró se prende ainda basicamente aos nomes mais conhecidos do gênero. O que não é exatamente deficiência dos autores, mas uma consequência do fato do forró ter sempre sido tratado como uma música de segunda classe, da “cabroeira” nordestina. Com exceção de Luiz Gonzaga, a imensa maioria dos forrozeiros, mesmo os do primeiro time, como Dominguinhos, Marinês ou Trio Nordestino, tem poucos discos em catálogo, e quase sempre coletâneas.
E ainda. A imprensa especializada quase não se ocupou do forró. A mais refinada publicação dos anos 50, a carioca Revista da Música Popular, editada por Lúcio Rangel, entre 1954 e 1956, período em que o baião era febre nacional mal cita Luiz Gonzaga. Os fornidos catálogos que as gravadoras lançaram nos anos 60 e 70, recebiam pouca atenção da imprensa. A história do forró é é um quebra-cabeças em que faltam grande parte das peças. Com o pouco que conseguiram Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues realizaram o possível, incursionando por assuntos inéditos em livro. Como é o caso do enfrentamento da censura pelos forrozeiros nos anos 70. A exemplo do que aconteceu com o livro Eu não sou cachorro não, a historia da música brega de Paulo Cesar de Araújo, o enfoque dado ao texto foi no capítulo referente à censura.
Ora, censores não se limitavam aos subversivos da MPB classe a universitária. Todo mundo tinha que submeter letras e música à banca da censura, que não distinguia Chico Buarque, de Odair José ou João Gonçalves, autor que deu muita dor de cabeça ao Departamento de Censura Federal. Os autores de O fole roncou deram-se ao trabalho de consultar documentos da Polícia Federal sobre à proibição às composições do paraibano João Gonçalves: “Informo que a letra musical de autoria de João Gonçalves está proibida para difusão em rádio, televisão, show e qualquer local público, inclusive casas de venda e discos”. A música em questão era de Pescaria em Boqueirão, um dos maiores sucessos de 1973. O problema estava no refrão: “Ô lapa de minhoca/eita que minhocão/com uma minhoca destas/se pega até tubarão”.
João Gonçalves, em relação à censura, foi o Chico Buarque do forró. É dele também Severina Xique-Xique, cujo refrão preocupou os censores: “Ele tá de olho é na butique dela”. Gonçalves, ressaltam os autores, teve um disco, Nordeste de hoje proibido na íntegra, recolhidos das lojas e incinerado: “Em decorrência da proibição de execução pública de Pescaria em Boqueirão, João Gonçalves passou a um ano sem cantar na Paraíba. Seguidas vezes era contratado para fazer shows, mas não podia subir ao palco. Tinha de seguir a determinação dada por um policial”.A justificativa era a de que as composições de João Gonçalves (e igualmente de outros autores como Elino Julião, Messias Holanda ou Assisão),: “...são eivadas de expressões regionalistas de baixo calão, cuja colocação intencional dá margem a interpretação pornográficas capituladas na legislação contrária”.
Mas o capítulo do forró como alvo da censura aconteceu nos anos 70, quando o duplo sentido virou modismo. A historia contada no livro retroage à carreira de Luiz Gonzaga, e aí sem muitas novidades. Ele é o alicerce sobre o qual se erigiu o forró. A geração que veio imediatamente depois de Lua tem a trajetória esmiuçada em O fole roncou, entre estes o casal Marinês e Abdias, um relacionamento conturbado, espécie de Dalva de Oliveira e Herivelto Martins. “...os desentendimentos se tornaram frequentes. Já dormiam em quartos separados. O filho, Marquinhos, não esquece os conflitos.
- Nesta época eles se falavam muito pouco. E quando se falavam era para brigar, E as brigas não se limitavam a bater boca. Certa noite, nos primeiros anos de casamento, Abdias chegou de um cabaré onde fora tocar, e aplicou uma sova em Marinês. A explicação: “Você está apanhando porque eu vi uma mulher lá no cabaré que era muito parecida com você, tinha o corpo igualzinho ao seu, fazendo as coisas lá: sentava no colo de um, ia ara o quarto com outro...Você tá apanhando para saber que nunca vai fazer a vida no cabaré como essa que eu vi lá”. só se separaram nos anos 70, com o filho único do casal indo morar com o pai (em companhia do qual se tornou também um ótimo músico e produtor)..
O livro ressalta a importância do paraibano Abdias fundamental na história do forró. Ele não era apenas um dos grandes dos oito baixos, como o produtor da CBS (atual Sony Music), que selecionava quem entrava no cast de forrozeiros da gravadora. Ou na coletânea Pau de sebo, que apontava os sucessos dos arraiais juninos do Nordeste. Destaca também os lendários forrós dos anos 60 e 70 no Rio e em São Paulo. O mais famoso e importante, sem dúvidas, o de Pedro Sertanejo, que acabou levando a que o forrozeiro criasse uma gravadora a Cantagalo: “Outros forrós foram surgindo. Só o empresário José de Barros Lima, conhecido como Zé Lagoa, tinha três: o Asa Branca, com filiais em Pinheiros e Santo Amaro, e o Viola de Ouro no Ipiranga. O radialista Paulista Zé Bettio abriu o Bailão do Zé também no Catumbi. O baiano Pedro Sertanejo também foi de importância seminal para o forró. Muita gente, inclusive Dominguinhos, começaram na sua gravadora a Cantagalo (cujos estúdios funcionava nos fundos de sua casa de forró.
Jackson do Pandeiro, Ary Lobo, Zito Borborema, Anastácia, os sanfoneiros Zé Calixto, Geraldo Correa, Trio Nordestino, Três do Nordeste, Trio Mossoró, Coroné Ludugero. Com algumas exceções estes nomes mal figuram nas enciclopédias de música popular brasileira. O fole roncou enfatiza o que representou, por exemplo, o pernambucano Luis Jacinto, ou o Coroné Ludugero, falecido em um desastre aéreo, em 1970, até hoje um mito no Nordeste, e completamente ignorado fora da região: “Como se fosse alguém d família contanto histórias no alpendre da casa, o coronel tornava os seus casos mais engraçados pela interpretação marcante de Luiz Jacinto. com voz metálica, e meio anasalada, agudísima, ele fazia Ludugero subverter o dicionário e a gramática...”. Valendo lembrar que por trás do Coroné estavam o talento de Luiz Queiroga, autor de todos os textos, e de parte do repertório musical do artista (com Onildo Almeida).
Além de nomes icônicos, chegam até o que tratam por forró eletrônico, a lambada estilizada surgida no Ceará, no começo dos anos 80, cujos desdobramentos deu nas megabandas Calcinha Preta, Aviões do Forró, Garota Safada, que hoje detem a preferência da juventude nordestina nos principais festejos juninos da região. Curioso é que o forrozeiro que mais combate as bandas, o cearense Alcymar Monteiro, inadvertidamente contribuiu para que o que não passava de um estilo paroquial, restrito ao Ceará, se tornasse nacional. Quando o Mastruz com Leite ia gravar o primeiro álbum, Alcymar Monteiro então um dos maiores nomes do gênero, encontrava-se em Fortaleza e foi procurado pelo grupo. Ele gostou do que viu e sugeriu à Continental que gravasse os conterrâneos. Duas décadas depois, ele reafirma aos autores do livro sua ojeriza às bandas: “Sou totalmente contra o forró eletrônico, pois o considero um forró lambadeado, mal tocado, mal cantado, que não vale um tostão furado”.
Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues não vão tão fundo nas raízes do forró, partem de Luiz Gonzaga. Porém as investidas nos dois grandes centros do país começaram no início do século passado, com João Pernambuco, Catulo da Paixão Cearense, Turunas Pernambucanos e Turunas da Mauriceia, grupo Voz do Sertão, estes músicos, coincidentemente, com exceção de Catulo, saídos do Recife, foram seminais para a formação da música urbana brasileira, e certamente influenciaram indiretamente tanto Luiz Gonzaga quanto seus parceiros. Mas até onde se propõem a contar, esta história supre uma imensa lacuna na bibliografia da música do país, e acrescentam mais peças ao quebra-cabeças chamado forró.

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